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O sensor do coração

  Uma enzima faz as células se expandirem e abre caminho para a insuficiência cardíaca -  Carlos Fioravanti e Ricardo Zorzetto.

 

© science photo library
Rede de veias e artérias que irrigam o músculo cardíaco

 

Uma enzima parece ser capaz de aumentar o tamanho do coração, em alguns casos beneficiando e em outros prejudicando o organismo. Isso pode ser bom quando o efeito é transitório, como acontece com quem faz exercícios físicos frequentes, já que essa enzima prepara o coração para enviar oxigênio e nutrientes para os tecidos do corpo de modo ainda mais rápido. Mas esse efeito, se contínuo, pode enfraquecer o coração e reduzir sua capacidade de bombear sangue, como acontece em pessoas que apresentam hipertensão arterial crônica, e levar à insuficiência cardíaca, uma das principais causas de morte no país.

 

Por caminhos bioquímicos diferentes, a enzima chamada FAK, sigla de focal adhesion kinase ou quinase de adesão focal, mostrou-se necessária e suficiente para fazer o coração até dobrar de volume, de acordo com estudos realizados pelo cardiologista Kleber Gomes Franchini e suas equipes na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) nos últimos 10 anos (veja o vídeo). Dois trabalhos, publicados em outubro nas revistas científicas Nature Chemical Biology e Journal of Molecular and Cellular Cardiology, detalham os mecanismos de ação da FAK e confirmam essas conclusões.

 

De acordo com esses estudos, a FAK faz as células musculares cardíacas, chamadas cardiomiócitos, aumentarem de tamanho. “Inicialmente, esse efeito resulta em aumento harmônico dos cardiomiócitos, que se contraem de forma mais eficiente, o que é considerada uma vantagem no processo de resposta do coração, principalmente nas pessoas com hipertensão ou outro problema”, diz Franchini. “No entanto, a ativação excessiva da FAK pode resultar em danos para os cardiomiócitos, levando inclusive à morte celular.”

 

Os pesquisadores verificaram que essa enzima pode também induzir a multiplicação de outro tipo de célula cardíaca, os fibroblastos, menores e mais numerosos que as musculares. De acordo com os estudos feitos até agora, os novos fibroblastos migram para os lugares deixados pelas células musculares mortas. Em consequência, os fibroblastos formam fibras menos elásticas, que podem enrijecer o coração e prejudicar seu funcionamento. Os efeitos negativos da FAK, acentua Franchini, podem demorar décadas até serem notados.

 

“Kleber é um investigador clínico com uma visão molecular das doenças. Ele consegue explorar o aspecto fisiológico, o bioquímico e o molecular. É algo raro”, comenta Mário Saad, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp com quem Franchini trabalhou.

 

Agora, além de estudar os mecanismos de ação da FAK, as equipes de Campinas estão desenvolvendo compostos que possam deter a ação dessa enzima principalmente nos fibroblastos. Se identificarem alguma substância que passe por todos os testes feitos em animais de laboratório e se mostre capaz de agir com eficácia e baixa toxicidade em seres humanos, talvez os pesquisadores ajudem a reduzir o risco de insuficiência cardíaca que resulta da hipertrofia do coração. As pessoas com insuficiência cardíaca sofrem de fraqueza, falta de ar durante atividades rotineiras e inchaço no corpo. Nos casos mais graves, até mesmo levantar-se da cama torna-se difícil.

 

“A mortalidade em cinco anos após o primeiro sintoma de insuficiência cardíaca é de cerca de 40%, mesmo com uso máximo e otimizado dos melhores medicamentos e procedimentos terapêuticos”, diz Franchini. “Daí a expectativa de que o conhecimento aprofundado dos mecanismos envolvidos nas alterações que dão origem à insuficiência cardíaca possa resultar em novos medicamentos que tragam alívio ao sofrimento e risco de morte.” Segundo o Ministério da Saúde, as doenças cardiovasculares matam em média 300 mil pessoas por ano, o equivalente a 30% dos óbitos causados por problemas de saúde no Brasil.

Regulando a FAK?
Os resultados dos experimentos levaram os pesquisadores a esta pergunta: se fosse possível desligar a FAK ou ao menos reduzir sua quantidade, poderia ser bom para o organismo? “Em princípio”, diz Franchini, “interferir no processo de hipertrofia patológica pode ser benéfico por diminuir a expansão das células musculares e a fibrose gerada pela multiplicação dos fibroblastos”.

Em 2010 os pesquisadores do LNBio começaram a buscar moléculas que pudessem bloquear a ação da FAK. Avaliaram cerca de 40 e encontraram uma, identificada pelo código D5, que parece ter esse efeito. Franchini acredita que a D5 ou outra molécula equivalente, se agirem apenas nos fibroblastos e passarem nos testes seguintes de eficácia e toxicidade, abrem perspectivas de uso futuro para eliminar a fibrose em doenças como cirrose hepática e pulmonar e esquistossomose.

Encontrar uma forma de deter a FAK sem danos para o organismo é uma tarefa delicada. Essa enzima se liga a dezenas de proteínas em muitos tipos de células, além das do coração, e tem muitas funções, podendo participar da proliferação, migração e sobrevivência das células – não só as sadias, como também as tumorais. “Essas propriedades fazem com que a FAK seja muito atraente como potencial alvo terapêutico”, diz o cardiologista Wilson Nadruz Jr., professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp que participou dos estudos.

Já começam a aparecer compostos capazes de deter a ação dessa enzima, encontrada em abundância em vários tipos de tumores, como os de cérebro, mama, próstata e fígado. Um composto chamado TAE226, apresentado em 2007 por pesquisadores dos Estados Unidos, tem se mostrado capaz de inibir a FAK e assim deter o crescimento de células tumorais no cérebro de camundongos. Em agosto, pesquisadores de Taiwan apresentaram na International Journal of Cancer as primeiras evidências de que outra molécula, a SK228, deteve o crescimento de tumores em cultura de células e em animais, também por inibir a ação da FAK.

 

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